segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

300 anos de São João del-Rei resgatam arca imaginária de lendas esquecidas em porões de tempo e memória


Três séculos de existência deram a São João del-Rei uma rica História e preciosas estórias. Sem qualquer registro nos livros oficiais mas incontestáveis porque fazem parte das lembranças e das histórias de vida dos são-joanenses mais vividos, as estórias falam muito do tricentenário imaginário popular de São João del-Rei.

Aguçam a imaginação, transmitem valores, incentivam a criatividade, disseminam valores morais, apresentam códigos éticos - premiam, julgam, condenam e castigos atos, atitudes e até pensamento de cometê-los.

São João del-Rei tem, nos porões de sua memória, uma arca imaginária de lendas desconhecidas ou esquecidas. Poucas foram registradas em texto, por atitude voluntária e visionária do intelectual são-joanense Lincoln de Sousa, na primeira metade do século 20. Antes dele, é possível que a educadora Alexina Pinto também tenha feito alguma coisa neste sentido, pois utilizava lendas, brincadeiras e trava-línguas como instrumentos didático-pedagógicos. Alexina Pinto, proclamam alguns, foi a primeira folclorista brasileira.

Várias lendas reunidas por Lincoln de Souza ganham vida nos sábados à noite, encenadas no centro histórico no espetáculo Lendas São-joanenses. Este trabalho é tão genuíno e original que foi reconhecido, em nível estadual, para concorrer por Minas Gerais ao Prêmio Rodrigo de Mello Franco, do Ministério da Cultura.

Mas muitas estórias fantásticas hoje sobrevivem apenas na lembrança popular daqueles que já vão longe na idade. Como a do sino assassino, que matou um sineiro e ficou preso em uma sala da Prefeitura, durante anos. A do diabo que gemia sob a ponte de pedra da Rua Santo Antônio, na altura do Buraquinho, "atentando" e ameaçando na madrugada os homens que voltavam da Adoração do Santíssimo Sacramento. A da moça que via o diabo no entardecer de toda segunda-feira, na subida da Rua do Ouro, e gritava até o sino tocar Angelus e ela se esquecer. Ou, ainda, a da família inteira que perdeu o juízo e ficou doida porque, em época de absoluta miséria na zona rural, teve que usar a roupa dos santos da capela para cobrir as vergonhas.

O tesouro das lendas são-joanenses dorme em porões de memória, empoeirado pelo tempo que semeia saudades. Em seu sonho, aguarda dormente a chegada do bandeirante moderno que o descobrirá, resgatará e revelará à luz do sol que clareia os dias e da lua que ilumina as noites serenas de São João del-Rei.

Um comentário:

  1. Lindo texto. Poético, sensível, capta a verdade subjacente, uma cultura que é como uma colcha de retalhos. Parabéns!!!

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