domingo, 8 de dezembro de 2013

Coração são-joanense: espigas de ouro e milho. Telúrica São João del-Rei

"Minha caminhada na seara cultural de São João del-Rei perpassa obrigatoriamente pelas tradições folclóricas. Desde a infância, por razões que suponho de natureza espiritual, cada detalhe humilde da vida rural me impressionou profundamente: a produção de um queijo, "sá dona" amassando numa gamela a massa do biscoito de polvilho, "sô Zé" prevendo o tempo ao olhar a cor e a forma de nuvens ou ao ouvir o canto de um pássaro. Carro de boi gemendo no espigão, cheio de  milho da colheita.

Bem moleque, uma folia nos visitou. Estava na casa de meus avós e este foi o marco definitivo, o adubo que faltava para a semente germinar. Minha alma se impregnou para sempre daquela melodia e guiou-me até hoje, como a Estrela guiou os Magos do Oriente. Era o grupo do finado Zé Rita.

O apito do trem, o toque dos sinos, as formas das peças de estanho, em cuja fábrica meu pai trabalhava e me ensinou a gostar, os cubus, tarecos e sequilhos, os cartuchos de amêndoa, o cheiro de rosmaninho da Semana Santa. "Para a cera do Santo Sepulcro!" - Eis um grito que matraqueia em meu coração. Os contos de assombração de vô Aluísio ou os causos de "sô" Emídio do Bengo... Encantadores!   

A Fábrica de Biscoitos Mazzonni: aquele macarrão delicioso. Balas inigualáveis, que a gente comprava no peso, bolinhas de cor, grudadas umas nas outras, embaladas no papel de pão para o freguês. Nunca mais vi nada igual. Os pirulitos do Rato, vendendo-os de bicicleta. Tinham a forma de galos, presos a palitos, coloridos, confeitados com açúcar fino. Seu gosto perdido no tempo perdura na memória.

No Largo Tamandaré, saudosa época do sr. Djalma Assis, vínhamos no frio de junho ver o encontro de quadrilhas. Pelo Natal, o Presépio da Muxinga, com aqueles bichos e bonecos que nos enfeitiçavam. Não se consegue deixar de visitá-lo, mesmo sabendo o que se verá! É mágico...

Cada tradição foi como um tijolo numa construção que nunca acaba, edificando uma identidade multifacetada. São João del-Rei é uma palpitação. É viva, pulsante.

São João del-Rei é assim. Tem 300 anos. 300 identidades.


Ulisses Passarelli                    
São-joanense, folclorista                    

     

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